segunda-feira, agosto 29, 2016

Mão amiga nas horas difíceis

A hospitalização em UTI acende o sinal vermelho para familiares e acompanhantes 
dos pacientes. O apoio psicológico diminui o impacto negativo da experiência

“Agora, é bem mais fácil para mim ser forte”, afirma Maura Ramos, que recebe apoio psicológico
da unidade há dois meses, desde quando filho está internado na UTI Pediátrica do HMI

            Impotência mesclada ao desespero, angústia e apreensão. O misto de sensações é um resumo de relatos de qualquer acompanhante ou familiar de uma pessoa hospitalizada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Literalmente frio, o lugar assusta por ser palco de histórias com fins trágicos para aqueles que são obrigados a se despedir inesperadamente dos entes queridos.
            Nesses momentos em que o desespero e agonia tomam conta, o apoio e conforto fazem toda a diferença. Diante do momento vivenciado, a família também precisa de cuidados intensivos. A assistência psicológica tem papel fundamental ao contribuir com o equilíbrio emocional dos envolvidos, que também inspiram cuidados. Uma simples conversa com o psicólogo se torna uma experiência única. É com diálogo e sensatez que os profissionais ganham nova roupagem ao cruzar o status de estranho para o de amigo.
            Apesar disso, não basta oferecer o ombro para consolo. Com a aproximação, a técnica aliada à sensibilidade dos profissionais oportunizam ao acompanhante a expressão dos conflitos, fantasias e temores e em troca, pela confiança, eles recebem atenção e compreensão diante das queixas que resultam em alívio e tranquilidade às ansiedades. 
            Há dois meses, a dona de casa Maura Ramos passa os dias na UTI Pediátrica do HMI. Ela acompanha o filho que está internado no local desde o nascimento devido a uma má-formação do intestino. Natural de Caçu, em Goiás, ela encontra apoio junto às psicólogas da unidade. O marido e pai da criança visita ela e o filho de vez em quando porque trabalha e cuida dos outros dois filhos do casal no município do interior goiano. Ela descobriu o problema da criança aos cinco meses de gestação e desde então luta pela vida do filho. À época, a família morava em Altamira, no Pará, de onde partiram de volta à cidade natal para conseguir tratamento mais adequado ao bebê. De lá, foram encaminhados para o HMI. O pequeno João Victor nasceu no hospital e, da sala de parto, foi encaminhado para a UTI.
            “Ainda em Altamira me disseram que ele tinha obstrução do intestino, mas o médico do HMI confirmou que se tratava de uma má formação do órgão. Quando ele me deu a notícia foi muito difícil. Entrei em desespero e chorei bastante”, disse Maura. Na situação dela, é comum o medo do desconhecido, a incerteza sobre o sucesso do tratamento, o diagnóstico de doença grave, além do temor de que a criança sinta dor ou morra. Agora, a dona de casa se sente mais confiante e tranquila. “Na UTI, comecei a receber visitas das psicólogas do hospital. Elas conversaram comigo e me ajudaram bastante. Hoje eu consigo até ajudar os outros da mesma forma que fui ajudada”, afirma ela, que considera a assistência psicológica importante para os acompanhantes.
            O momento de interação com a equipe de Psicologia favorece a elevação da autoestima e autoconfiança dos participantes. “A aceitação dos próprios sentimentos é o primeiro passo para aprender a lidar com eles”, destaca a coordenadora de Psicologia do Hospital Materno Infantil (HMI), Suely Faria. Menos estresse, segundo a especialista, ajuda os acompanhantes a se tornarem capazes de desempenhar um papel vital e terapêutico junto ao doente. “Os membros de uma família são interdependentes, por isso, o problema de um afeta os outros. Dessa forma, a atenção voltada ao núcleo familiar resulta em melhor qualidade na assistência porque exala força, superação, confiança e racionalidade ao paciente”, acrescenta. 
            Por isso, nos dias em que tudo parece mais complicado, Maura diz que o apoio psicológico é mais importante. “Às vezes a gente desaba, mas elas [as psicólogas] vêm e nos acalmam. Sou muito nervosa e ansiosa e como elas me ajudam a relaxar, eu consigo passar isso para meu filho. Quando eu choro, percebo que ele também fica triste”, afirma. A mãe de João Victor conta como ela lida agora com a antes constante vontade de chorar. “Me orientaram assim: se eu quiser chorar, não tem problema, mas que seja longe dele e, ao retornar, sorrindo eu contribuo indiretamente com a recuperação dele”, descreve.

De acordo com a coordenadora de Psicologia do HMI, Suely Faria, acompanhante
menos estressado contribui para o tratamento do paciente

         Ponto de Vista - De acordo com Suely, uma das abordagens utilizadas pela equipe é a de que a UTI não representa o término de uma viagem, mas pode ser o recomeço dela porque ressignifica as relações entre as pessoas. Embora receba pacientes potencialmente graves ou com instabilidade clínica, o serviço de suporte e tratamento intensivos tende a garantir chances de sobrevivência e recuperação. Outros aspectos trabalhados pelos psicólogos nesse contexto incluem a reflexão sobre a vida e a morte e o enfrentamento a situações emocionalmente traumáticas da vida dos próprios acompanhantes e familiares.
            Assim, eles se dão conta de que não estão sozinhos e encaram o problema com coragem. ”Nosso objetivo é diminuir o impacto sofrido com a doença e com a internação. Aqui, além de todo o contexto podemos estabelecer os acompanhantes e a família como moderadores do processo já que são importante fonte de informação para o paciente”, afirma Suely. O profissional que estuda os fenômenos psíquicos e de comportamento do ser humano por intermédio da análise das emoções, ideias e valores é estratégico em unidades hospitalares. Fundamental para a saúde mental, a equipe formada por nove profissionais será homenageada pelo HMI com um café da manhã especial que será oferecido na segunda-feira (29 de agosto), dois dias após a data oficial que celebra a profissão, amanhã (sábado), em 27de agosto.

         Prioridades - Embora sofrida, a experiência tem sido positiva para Maura. Ela está aprendendo a dar mais valor nas coisas importantes da vida que são a família e os filhos, a perdoar, a amar mais o próximo porque entende não ser a única a passar pela mesma situação e a parar de brigar por coisas banais já que visualiza que a luta das pessoas internadas no hospital é pela sobrevivência. “Hoje, posso dizer que eu e meu filho melhoramos bastante. Está sendo um aprendizado para a vida toda. Agora, é bem mais fácil para mim ser forte. Meu filho está me ensinado a viver. O que servir para mim, vou lutar, o que me fizer mal vou descartar e pronto.”, sentencia a mãe de João Victor.


         Humanização - Valorização do atendimento hospitalar com bases de fraternidade corresponde a uma parte dos elementos de humanização da assistência não apenas ao corpo, mas também à mente. Isso inclui medidas como a flexibilidade para permanência de acompanhantes na UTI para mulheres com enfermidade relacionada à maternidade e crianças, que podem contar com a presença em tempo integral de um dos pais ou responsáveis. 

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